6 idiomas que não usam gênero gramatical e o que isso diz sobre igualdade cultural

A linguagem como espelho das estruturas sociais

A maneira como um idioma organiza suas palavras revela muito mais do que apenas regras gramaticais. Ela reflete valores, formas de pensar e até visões sobre igualdade e identidade. Em línguas como o português, o espanhol e o francês, o gênero gramatical está em quase tudo: substantivos, adjetivos e até profissões. Porém, há idiomas que simplesmente não distinguem entre “masculino” e “feminino”. E essa ausência levanta uma questão fascinante — o que acontece quando a própria linguagem é neutra?

Vamos explorar seis línguas que desafiam essa ideia de gênero linguístico e compreender como essa estrutura influencia (ou não) a percepção cultural da igualdade.

Turco — a fluidez da neutralidade

O turco é um exemplo claro de língua sem gênero gramatical. Não existe distinção entre “ele” e “ela”; ambos são representados pelo pronome “o”. Da mesma forma, adjetivos e substantivos não sofrem alterações conforme o gênero.

Essa neutralidade faz parte de uma estrutura lógica e direta, herdada das línguas urálicas e altaicas. Curiosamente, o turco também reflete uma cultura que valoriza a coletividade mais do que a identidade individual, e isso se traduz na linguagem. A ausência de gênero não elimina o machismo social, mas evita reforçá-lo linguisticamente, como ocorre em idiomas latinos.

Finlandês — igualdade até na gramática

O idioma finlandês (suomi) é frequentemente citado como um dos mais neutros do mundo. Seu pronome “hän” é usado para qualquer pessoa, independentemente do gênero. Em textos oficiais, o governo da Finlândia destaca que essa estrutura reflete um compromisso cultural com a igualdade de gênero, profundamente enraizado na sociedade.

O finlandês também dispensa artigos definidos e indefinidos, tornando a comunicação ainda mais universal. Pesquisadores linguísticos costumam apontar que essa neutralidade contribui para uma percepção mais igualitária, já que o idioma não reforça distinções simbólicas entre homens e mulheres.

Chinês mandarim — quando o contexto define o gênero

O mandarim não possui flexões de gênero para substantivos ou adjetivos. Na fala, “tā” pode significar “ele”, “ela” ou até “isso”. Apenas na escrita moderna há uma diferenciação entre caracteres (他 para ele, 她 para ela), introduzida no século XX — e, curiosamente, influenciada pelo contato com línguas ocidentais.

Na cultura chinesa tradicional, a neutralidade linguística estava ligada a uma visão coletiva e harmônica da sociedade. O gênero era uma característica contextual, e não estrutural. Hoje, muitos movimentos feministas chineses apontam a escrita diferenciada como um retrocesso simbólico, preferindo o uso original e neutro.

Coreano — respeito sem gênero

O coreano também não marca gênero em seus pronomes pessoais. A palavra “geu” pode significar “ele” ou “ela”, dependendo do contexto, e muitos falantes simplesmente evitam pronomes quando o sujeito é óbvio.

No lugar do gênero, o idioma coreano dá ênfase à hierarquia social — um reflexo direto do confucionismo. Há níveis de formalidade que expressam respeito, idade e posição social, mas não distinção entre homens e mulheres. Assim, a igualdade linguística se mistura com a complexidade cultural da cortesia e do status.

Basco — uma língua antiga e neutra

O basco (euskara), falado em partes do norte da Espanha e do sudoeste da França, é uma língua isolada, sem parentesco conhecido. Ela não tem gênero gramatical e tampouco diferencia pronomes pessoais por sexo.

Esse aspecto torna o basco especialmente interessante do ponto de vista histórico. Por não ter sido fortemente influenciado pelo latim ou por sistemas indo-europeus, manteve uma estrutura simples, direta e inclusiva. Essa neutralidade pode ter ajudado o idioma a sobreviver por séculos, preservando uma identidade cultural própria, sem se submeter aos moldes linguísticos dominantes da Europa.

Japonês — a neutralidade que depende da escolha

O japonês é um caso híbrido. Tecnicamente, ele não possui gênero gramatical, mas existem formas de falar consideradas masculinas ou femininas. Isso acontece por causa de partículas e pronomes diferentes, usados conforme o contexto social e o papel do falante.

Por exemplo, tanto “watashi” quanto “boku” significam “eu”, mas “boku” é geralmente usado por homens. A escolha, no entanto, é cultural, não gramatical — o idioma não obriga a diferença. Assim, há espaço para expressão e identidade pessoal. O japonês mostra como uma língua neutra pode, ainda assim, refletir convenções sociais que vão além da gramática.

O que aprendemos com essas estruturas linguísticas

Ao observar esses idiomas, percebemos que a ausência de gênero gramatical não significa automaticamente uma sociedade mais igualitária. O gênero pode desaparecer da gramática, mas continuar presente na cultura, nos papéis sociais e nas atitudes cotidianas.

Entretanto, há uma lição profunda nessa neutralidade: quando a linguagem não impõe categorias fixas, ela abre espaço para que o pensamento também seja mais livre. Em vez de classificar, permite descrever. Em vez de dividir, possibilita conectar.

A linguagem como instrumento de transformação

A diversidade das estruturas linguísticas mostra que o idioma não apenas reflete o mundo — ele o constrói. Uma sociedade que se expressa sem gênero pode estar mais aberta a discutir igualdade e identidade sem preconceitos automáticos.

Repensar o modo como falamos pode ser um caminho poderoso para transformar o modo como pensamos. Afinal, quando o idioma se torna um espelho da liberdade, ele também se torna uma ferramenta para a mudança.