Durante boa parte do século XX, o idioma galês parecia destinado ao esquecimento. Falado por menos de 20% da população, era visto como um vestígio do passado, relegado a pequenas comunidades e raramente utilizado em escolas ou no governo. Contudo, nas últimas décadas, o País de Gales viveu uma verdadeira revolução linguística — um processo que uniu educação, política pública e orgulho cultural para transformar o bilinguismo em símbolo de identidade nacional.
A ameaça do esquecimento
Após a incorporação do País de Gales ao Reino Unido, o inglês se tornou o idioma dominante em praticamente todos os aspectos da vida pública. O galês, falado havia mais de mil anos, foi gradualmente marginalizado.
Nas escolas, as crianças eram punidas por utilizá-lo — o infame “Welsh Not”, uma tábua pendurada no pescoço dos alunos que falassem galês, tornou-se símbolo de repressão linguística.
Na virada do século XX, a urbanização e o avanço da mídia em inglês reduziram drasticamente o número de falantes nativos. Muitos acreditavam que o idioma não sobreviveria à modernidade.
O despertar cultural e político
Nos anos 1960 e 1970, movimentos culturais e nacionalistas reacenderam o orgulho galês. A fundação da Cymdeithas yr Iaith Gymraeg (Sociedade da Língua Galesa) marcou um ponto de virada. Jovens ativistas começaram a exigir que o idioma tivesse o mesmo reconhecimento do inglês em instituições públicas e meios de comunicação.
Essas reivindicações resultaram em mudanças concretas: o governo britânico aprovou leis que reconheceram oficialmente o galês e, posteriormente, transferiu parte do poder educacional para o governo galês. Assim começou a transformação do sistema de ensino, peça central da recuperação linguística.
O ensino bilíngue como política de Estado
O primeiro passo foi introduzir o galês como disciplina obrigatória em todas as escolas. Mais do que uma aula de idioma, tratava-se de reintroduzir a língua no cotidiano das novas gerações.
Em seguida, surgiram as chamadas escolas de imersão total, onde todas as disciplinas são ministradas em galês. Nessas instituições, as crianças aprendem matemática, ciências e história na língua ancestral, adquirindo fluência de forma natural.
Atualmente, mais de 25% dos alunos do País de Gales estudam em escolas de imersão, e cerca de 80% têm algum nível de educação bilíngue.
O currículo foi cuidadosamente planejado para que o aprendizado do galês não substituísse o inglês, mas o complementasse. O objetivo é formar cidadãos capazes de transitar entre os dois mundos linguísticos com igual confiança.
O papel dos professores e da comunidade
O sucesso desse modelo dependeu fortemente dos educadores. O governo investiu em programas de formação docente bilíngue, garantindo que novos professores dominassem ambas as línguas. Além disso, criou-se uma rede de apoio comunitário: pais e moradores foram incentivados a participar de cursos noturnos e atividades culturais em galês.
Essa integração entre escola e comunidade fez com que o idioma deixasse de ser apenas uma matéria — passou a ser um instrumento de pertencimento. Festivais literários, música tradicional e eventos esportivos passaram a valorizar o uso do galês como expressão de orgulho coletivo.
Passo a passo da transformação linguística
- Reconhecimento oficial – Leis de igualdade linguística garantiram que o galês tivesse o mesmo status legal que o inglês.
- Educação obrigatória – O idioma se tornou parte essencial do currículo básico em todas as escolas.
- Imersão total – Escolas bilíngues e programas de imersão ofereceram aprendizado natural e contínuo.
- Formação docente – Incentivos e bolsas formaram uma nova geração de professores fluentes.
- Engajamento comunitário – A língua voltou ao cotidiano através de iniciativas culturais, mídia e famílias bilíngues.
- Uso institucional – O galês passou a ser utilizado em tribunais, placas de rua e documentos oficiais.
Cada uma dessas etapas reforçou a outra, criando um ciclo de crescimento e reconhecimento que transformou o idioma em parte viva da sociedade galesa.
Resultados e desafios atuais
Os efeitos são notáveis: estima-se que cerca de 30% da população atual do País de Gales fale galês em algum nível — o número mais alto em mais de um século. Além disso, há um forte aumento no interesse de adultos em aprender a língua por meio de plataformas digitais e cursos gratuitos oferecidos pelo governo.
Contudo, o desafio agora é garantir que o galês continue sendo usado fora da sala de aula. O governo busca ampliar sua presença no mundo digital, nas redes sociais e no mercado de trabalho, para que a língua permaneça relevante na vida moderna.
Um modelo inspirador para o mundo
A experiência galesa mostra que salvar um idioma não é apenas preservá-lo — é fazê-lo viver. O ensino bilíngue não foi imposto como uma obrigação, mas apresentado como um convite à redescoberta de identidade.
Outras nações com línguas minoritárias, como a Escócia, a Irlanda e a Nova Zelândia, têm se inspirado nesse modelo para revitalizar seus próprios idiomas nativos.
O caso do País de Gales demonstra que, com políticas públicas consistentes e participação da comunidade, é possível reverter o declínio linguístico e transformar uma língua em símbolo de orgulho nacional.
O idioma como ponte para o futuro
Hoje, ouvir crianças conversando em galês nos pátios das escolas é mais do que um sinal de sucesso educacional — é a prova de que uma cultura inteira se recusou a desaparecer.
A língua que quase se perdeu agora ecoa novamente nos lares, nas ruas e nas canções, conectando passado e futuro.
E, talvez, essa seja a lição mais poderosa do País de Gales: quando um povo decide ensinar sua língua, ele está ensinando também sua história, sua alma e a certeza de que a memória pode ser reinventada — palavra por palavra.




